sexta-feira, 19 de abril de 2013

Além do Sol Negro


A chama da vela oscilou.

"Eu sou um portal para a vida." afirmou o clérigo.

A luz dançante acrescentava terror ao comunicado.

O clérigo sorriu como uma reação inconsciente que se deve ter quando a luz ilumina o meu rosto.

"A maioria fita-me com estranheza quando eu digo isso a eles. Talvez seja porque eu visto um manto Orzhov e todos acreditam na difamação grotesca sobre a nossas ações. Nós não somos todos egoístas e gananciosos."

O clérigo suspirou.

"O ignorante sempre supõe o pior, creio eu. Pessoas são facilmente influenciadas pela emoção cega, você não concorda?"

"Acho que sim", eu disse. "Mas você tem que admitir, os Orzhov não são conhecidos por jogar limpo."

O clérigo recostou-se na cadeira, virou as palmas das mãos para cima e deu de ombros.

"Colocamos tudo por escrito. Está tudo lá para ver. Pessoas simplesmente não se dão ao trabalho de ler as letras miúdas antes de assinar."

Eu podia sentir a postura defensiva do clérigo oprimindo-me para deixar o meu próprio preconceito pessoal escapar. Foi difícil o suficiente para encontrar evidências desta ordem e mais ainda para obter audiência com um dos seus membros. Eu podia sentir anos de trabalho começando a desmoronar em minhas mãos. Eu teria que engolir minhas opiniões e orgulho se eu quisesse ter um acesso sem precedentes a determinados lugares.

"Verdade. As pessoas stão focadas no que elas querem e raramente têm a paciência de esperar e avaliar antes de agir livre de suas emoções."

Aquela resposta pareceu trazer de volta o clérigo, que se afastou lentamente enquanto eu pensava.

"Poucos são capaz de ver a verdade e eu estou feliz que você seja um dos que consegue. Minha escolha de revelar nossa Ordem depende de sua avaliação ser feita com a mente aberta." Ele derramou vinho em uma taça de ouro e ofereceu-me um pouco, mas eu educadamente recusei. "Os Orzhov valorizam a paciência. Tal virtude é ensinada a nós logo que começamos o nosso serviço à guilda, uma vez que a missão para a qual fomos escolhidos requer não só a paciência, mas também dedicação, confiança e abnegação. Nossa missão, nossa vocação, é entregar nossa vida para o Sindicato. Nós mantemos algo além de mero valor monetário para a guilda. Somos um portal através do qual algo maior do que nós mesmos pode emergir."

Agora nós seguiremos adiante. Eu sempre fui fascinado pela forma como uma crença devota poderia substituir o desejo inerente de preservar a vida e o nosso egoísmo instintivo. Os soldados Boros que se sacrificam para que inocentes possam viver sempre pareceram sem sentido para mim, como um vislumbre de um outro conjunto de normas que corre interiormente, operando abaixo de nossas críticas e mentes preocupadas. Parecia apropriado para Boros e Selesnya assumir tal comportamento, mas e para os Orzhov? Os rumores soavam duvidodos com relação à guilda dos negócios.

Agora, gostaria de saber mais sobre este culto de mistério dentro dos muros do Sindicato e documentar um momento crítico neste mundo enclausurado envolto em mitos e especulações.

O clérigo largou o copo e levantou-se.

"Caminhe comigo para o santuário."

Nós andamos em uma câmara que cheirava a incenso e lenha fresca. Movendo-se suavemente em meio à fumaça espessa, o manto do clérigo revela discretamente discos de ouro pesados ​​que pendiam do colarinho.

À luz da tocha bruxuleante, eu poderia fazer um símbolo Orzhov grande no chão feito com grandes pedras ornamentais. O clérigo se ajoelhou no círculo e fez sinal para eu me sentar em uma cadeira pequena, sem braços, que estava um pouco afastada dele. Assim que eu tinha tirado minha pena e papel, ele começou e sua voz ecoava na escuridão:

"Nossa Ordem representa os mais puros ideais de Orzhov! Por isso que tão poucos de nós são escolhidos. Trata-se de um manto muito pesado para a maioria, mas eu achei que depois de ter sido escolhido, minha vida foi impregnada com um propósito maior. E hoje em dia, cumprir tal propósito é tem sido a minha maior ambição."

Naquele momento, dois sacerdotes saíram das trevas e adentraram na área iluminada pelas tochas tais quais fantasmas silenciosos. Um deles colocou algumas velas diante do clérigo e acendeu-as. O outro pôs vários potes de metal com um conteúdo pesado diante do clérigo. Eu pude notar isto devido ao ruído que fizeram quando foram colocadas sobre as pedras ornamentais. Então os sacerdotes deixaram o recinto tão silenciosamente como chegaram.

Das dobras de seu manto, o clérigo retirou um tubo de vidro tampado que estava pendurado em uma corrente de ouro em cada extremidade. Dentro do tubo, havia uma fumaça branca que parecia, de certa forma, viva.

"Este é o Pacto da Morte!", disse ele, enquanto olhava para dentro do tubo.

Uma luz tênue iluminava suas feições como a luz solar através da água. O clérigo olhou para o interior da fumaça brilhante, hipnotizado. Aquela luminescência misteriosa fez o seu rosto tornar-se incrivelmente pálido, que serviu para destacar a escuridão de seus olhos deslumbrados; ele parecia um fantasma de marfim à medida que ponderava sobre aquela pequena forma esfumaceada:

"Este é o ícone de nossa ordem sagrada. Difícil imaginar que dentro deste pequeno cilindro está presente um poder tão magnífico."

O clérigo tiraram o cilindro de sua corrente e reverentemente o abriu. Então, retirando as tampas dos potes metálicos ao seu redor, ele pegou punhados de moedas de ouro que estava no interior deles e as espalhou pelo chão. O som das moedas ecoou por todo o salão e se fez ouvir como se fossem o soar de enormes carrilhões. Eu me senti um espasmo de apreensão primordial através do meu corpo. Que tipo de poder que ele estava falando? Eu estava em perigo?

Eu instintivamente afastei-me do clérigo, mas contive o impulso de fugir do quarto. Eu respirei profundamente quando ele continuou, registrando tudo com a minha caneta de pena, apesar do meu medo. Os instintos de ser um escriba são difíceis de dominar: o conhecimento a qualquer preço.

Eu me perguntava o significado, caso realmente houvesse algum, que as moedas possuiam, mas eu não ousava interromper o ritual com uma pergunta. Parecia rude. Sacrilégio. Eu anotei todos os detalhes que pude à medida que o clérigo fez mais gestos e expressões. Seu transe lentamente se aprofundou, de forma que o som de arranhar minha pena no pergaminho senti quase soando como uma intromissão, embora mesmo que realmente fosse, eu não pararia nem deixaria de fora nenhum detalhe.

Em seguida, ele se acalmou.

Depois de um longo momento com apenas os sons do fogo das tochas crepitando, o clérigo sussurrou:

"Eu estou pronto."

Então, ele tirou a tampa do tubo de vidro.

Minha mente ansiava angustiadamente. Pronto para quê? O que iria acontecer? Que segredos eu estava prestes a testemunhar?

Parecia um truque mental no início, mas depois...

A fumaça turbulenta dentro do cilindro de vidro serpenteou para fora como uma entidade assustadoramente consciente. Seus aspecto espectral manteve-se rodeando a face do clérigo, enquanto ele murmurava uma oração incompreensível. Por fim, o homem inalou completamente o fumo branco atráves de uma longa e única respiração, que foi sucedida por engasgos e seu corpo caindo no chão.

Eu saltei de meu lugar, com a intenção de socorrê-lo, mas com este movimento derrubei acidentalmente o tinteiro. A tinta formou uma poça, que à luz tênue das tochas poderia ser confundido com sangue enegrecido. Corri para o lado do clérigo, que se contorcia no chão, agarrado em seu colar de ouro. Seu rosto se transformou em uma colcha de retalhos manchado de veias arroxeadas e ferimentos. Eu pedi ajuda. Tudo que eu ouvia era as reverberações através do grande salão. Uma fumaça preta começou a sair da boca do clérigo. Isso me fez lembrar imediatamente de um incêndio químico Izzet eu tinha testemunhado alguns anos atrás.

Logo em seguida, a fumaça preta também estava saindo de seu nariz e de suas orelhas, bem como começou a tomar forma diante de mim. O corpo murcho e ressecado do clérigo, tal qual uma casca apodrecida, ainda estava ali enquanto eu instintivamente, cobri meu rosto com a longa manga do meu robe. Porém, meu maior susto ocorreu quando aquela fumaça sombria assumiu uma aparência humanóide. Braços, pernas, cabeça e torso se reuniram em uma forma corpórea de uma mulher com a pele alva e cabelos negros. Por fim, duas asas enormes de penas da cor do ébano irromperam o restante da fumaça atrás dela. As moedas de ouro e seus recipientes tornaram-se poças de metal líquido que formaram uma armadura reluzente e a lâmina da foice que repousava em suas mãos. Minha mente incrédula contemplava um ato arcano da criação, mas tudo o que eu podia fazer era olhar no rosto dessa criatura sobrenatural que me olhava com um olhar impassível.

Os dedos pálidos da mão livre daquela figura angelical flexionavam-se lentamente, como se para testar a sua eficácia. Em seguida, ela olhou para sua armadura brilhante e envolvente. Eu estava congelado. Eu não queria me mover, para que eu lhe causasse nenhuma fúria. Mas, ao mesmo tempo, eu não queria ficar ali.

Ela flexionou as asas de penas negras e então se virou para me encarar.

"Você. Escriba Orzhov. Escreva o seguinte..."

Mesmo que fosse apenas um sussurro, sua voz cortou o ar como uma lâmina extremamente afiada. Após um momento de hesitação, eu organizo meus pergaminhos, pena e o que restou de tinta. Felizmente, algumas gotas ainda podiam ser aproveitadas para escrever.

E o anjo continou:

"Eu vim das salas fantasmagóricas do Obzedat com uma mensagem para Teysa Karlov. Há mais a respeito o labirinto do que sabíamos. Teysa deve encontrar o caminho correto e completar o labirinto, seja qual for o custo."

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