Só porque Kal nasceu como um membro dos Gruul, não significava que ele não podia apreciar conjurações engenhosas. Ele observou os Izzet por horas, vendo como eles manipulavam o mana em diversas avenidas, formando arcos de energia em uma dança caótica. Nem sempre deu certo. Eles eram o Izzet, afinal de contas, e seus fracassos eram muitas vezes mais espetaculares do que os seus sucessos, o que obrigava Kal a abafar o riso ou suspiros de espanto. Seu trabalho era vigiá-los, e ele teve que permanecer escondido. Mas ele aprendeu alguma coisa com os Izzet. Ele trouxe de volta algumas idéias radicais para o seu mentor, mas o seu entusiasmo não foi muito apreciado. Tais métodos não se encaixavam nas tradições xamânicas da Gruul.
Mas Kal não seria dissuadido. Ele sabia que havia um sentido para a loucura deles.
Todas as manhãs, Kal subia ao longo da Faixa de Escombros para escalar uma torre em ruínas de uma catedral Orzhov há muito abandonada para que ele pudesse olhar para a recentemente adquirida zona industrial Izzet. Aparelhos estranhos, tubos de vapor e buracos inexplicáveis estavam por toda parte. Kal não tinha idéia do que eles estavam pesquisando, mas achou fascinante mesmo assim. Ele observou os alquimistas Izzet e magos da guilda convocarem enormes Bizarros para fazerem furos e operarem máquinas elétricas. Ocasionalmente, Kal ouvia um estalo alto de um dos numerosos assistentes duendes que vagavam muito perto dos enormes Bizarros e eram instantâneamente cozidos pelos poderosos campos de mana eletrificado que estas criaturas possuem.
Kal foi enviado para ficar de olho nos Izzet pela líder do seu clã, Nikya dos Antigos Caminhos, para garantir que os Izzet não se meteriam em território Zhur-Taa, ou pior, perturbar os deuses que o seu clã acredita que dorme sob Ravnica. Apesar de Kal ser um xamã, todos Gruul foram criados como caçadores, por isso a sua capacidade de mover-se silenciosamente e perseguir presas muito mais atentas do que os magos Izzet fez desta atribuição uma tarefa fácil.
Mas Kal também mostrou sinais de ter uma sensibilidade para a magia que poucos dos xamãs Gruul compreendiam. Ele podia entender a estranha magia do Izzet. Sua frenética, torrente e imprevisível energia era algo que Kal podia sentir como se estivesse imersa nele. Ele gostou da emoção e incerteza que estava presente em todos os feitiços Izzet e ele se sentou na varanda coberta de trepadeiras, em silêncio, observando o trabalho maníaco dos magos Izzet, observando a maneira como eles se manipulavam o mana. O jovem xamã absorveu tudo isso nas noites em meio à profunda tamborilar dos espiriais Izzet de mana.
"Houve um massacre."
Durri, uma jovem patrulheira do clã Zhur-Taa, sentou-se com Kal em uma construção em ruínas, com vista para uma piscina cheia de plantas aquáticas. Ela mordeu a carne de um galo que tinha caçado e assado mais cedo e conversava com Kal durante a refeição.
"Foi um acampamento dos Selesnya que foi atacado. Soube que havia sangue por toda parte. Aqueles idiotas de Selesnya. Bem-vidos a Faixa de Escombros". Durri lançou um osso por cima do ombro e pegou outro para comer. Então, como se estivesse se recordando, ela ofereceu a carcaça para Kal, ergueu as sobrancelhas e balançou a cabeça. Kal recusou.
"O acampamento do curandeiro? Eles estão bem?", Kal conhecia alguns dos Zhur-Taa que tinham contato com aquele acampamento dos Selesnya, mas alguma coisa tinha acontecido e deixou Nikya com desconfiança a respeito deles.
"Eu acho que a maioria deles estão mortos. Ogreth disse que foram os Rakdos. Ele me disse que Nikya parecia tão furiosa que ela poderia esmagar pedras com os dentes.", Durri sorriu para Kal com um brilho flamejante em seus olhos. "Vai ser uma guerra."
Kal olhou para dentro da piscina, levando-se agitado e obstruindo o discurso de Durri. Ele jogou uma pedra em direção à água, afugentando um sapo. "Você já foi a guerra?"
Durri limpou o nariz com as costas da mão tatuada, então coçou o cabelo escuro pensativamente. "Uma guerra real, na verdade não. Já estive em alguns ataques. Destruí algumas coisas. Afugentei alguns Golgari... aquelas... coisas... ou o que quer que eles sejam. Sempre me perguntei o que seriam, na verdade..."
"Sim, eu também.", Kal imaginou uma bola de fogo lançada por alguns bandidos Rakdos, o que só fez Kal querem praticar mais sobre magia. Ele queria provar suas capacidades a si mesmo.
Algum tempo depois, Kal ainda estava jogando as rebarbas fora do resto do dromedário que serviu de refeição quando o comitê de guerra retornou. Ele podia sentir a tensão à medida que eles se aproximavam pela calçada em ruínas.
Nikya falou "Zhur-Taa, reunir!" e depois ela desmontou e subiu os blocos de pedra do Monte Oratório. Nikya parecia sombria quando ela se sentou, de pernas cruzadas.
Um arrepio percorreu Kal quando sentiu uma mudança em seu clã. Ele sentiu que algo grande estava para acontecer. Kal subiu em cima de uma pequena pedra e viu como seus companheiros de clã também sentiam-se da mesma maneira, projetando uma onda de murmúrios que atravessava os guerreiros.
Quando todos estavam reunidos debaixo da visão dela, Nikya falou: "O sangue foi derramado. Inocentes foram abatidos. Nosso território contaminado. Sob nossas leis, temos o direito de retaliar este crime sangrento e buscar vingança dos Rakdos".
Ao ouvir essas palavras, o clã gritou em aprovação. Muita dor tinha sido causado pelos Rakdos na Faixa de Escombros, mesmo tão distante da cidade grande quanto Utvara. Assassinos e bandidos estavam saciando seus desejos por sangue nas zonas sem lei de Ravnica, longe dos olhos do Azorius e Boros. No entanto, estas áreas os Gruul já reivindicavam como sua própria.
Nikya levantou seu bastão e os aplausos cessaram. "Os Rakdos são poucos em número, mas eles são conduzidos por um monstro errante que procura presas fáceis como os Selesnya. Devemos pegá-los antes que eles voltem para o seu ninho de demônios. Devemos reivindicar nossa vingança."
Zhur-Taa animou-se em peso, levantando suas armas e mantendo-as no ar para saudar a líder do clã. Nikya desceu do Monte Oratório, movendo-se como a grande guerreira que era e tocando as armas daqueles que ela considerava aptos a formarem seu exército para a guerra, como líderes do clã fizeram por milhares de anos. Kal viu Durri ajoelhar-se no chão prestando respeito à Nikya quando esta tocou sua espada. Pareciam anos se passando até que a líder se aproximou de Kal, mas embora o desejo de lutar ardesse em seus olhos, a mão de Nikya nunca tocou a arma estendida dele.
"Aprontem-se, Zhur-Taa!", Nikya ordenou. "Nós vamos partir agora! Vamos caçar Rakdos!"
Kal acompanhou o grupo de guerra à distância. Ele conhecia muito bem a Faixa de Escombros, então era capaz de seguir os guerreiros Zhur-Taa sem ser detectado. Sua coragem era tão grande quanto sua habilidade, uma vez que ele sabia que se fosse descoberto significaria o banimento do clã ou a morte. Mas cada vez mais Kal pensava em Durri correndo em direção a uma horda de lâminas Rakdos e isso o seguir sem pensar duas vezes. Ele não podia abandonar sua amiga.
Os Zhur-Taa se moviam silenciosamente e tinha deixado suas montarias enormes para trás, a fim de emboscar os Rakdos, que eram normalmente barulhentos, desorganizados e distraídos. Kal manteve a distância e, embora não pudesse ver o seu clã, ele sabia que eles estavam bem próximos. Assim, ele rapidamente subiu sobre uma pilha de pedras enormes do que um dia foi um edifício. Porém, foi surpreendido por uma lança apontada para a sua cabeça.
"Krokt!", Um guerreiro chamado Janik falou para Kal. "Eu quase matei você. Que você está fazendo aqui?" Janik agarrou-o pelos ombros. "Nikya vai colocá-lo em um espeto, rapaz. Você tem quebrado..."
Um grito ecoou, seguido pelo urro de guerreiros Gruul. Janik praguejou e soltou Kal quando uma explosão de fogo iluminou silhueta das ruínas das torres próximas.
"Lidarei com você depois", disse Janik. Ele empurrou Kal para o chão e correu em direção à batalha. O rugido de ogros Rakdos tomaram o ar, juntamente com gritos de guerra Gruul e uivos de dor.
Kal correu atrás Janik, saltando sobre as vigas caídas e esquivando-se sob alvenaria que desabava pelo caminho através das ruas destruídas. Um jato de fogo passou sobre a cabeça dele e atingiu um diabo a poucos metros de distância, que caiu no chão gritando e rindo loucamente.
Ele teve, então, uma visão completa de todo o combate.
Nikya estava de pé, cantando, em uma pilha de pedras. Uma enorme parede de cipós emaranhavam um enorme ogro Rakdos, que gritava de raiva e logo começou a dilacerá-la como um animal frenético.
Os Rakdos estavam por toda parte, saindo das rachaduras e buracos dos entulho como formigas. Kal procurava frenéticamente por Durri. Seu clã parecia estar em superioridade. Guerreiros Gruul cantavam músicas antigas da guerra enquanto eles desmembravam os medonhos oponentes.
Kal viu um brilho em um edifício abandonado e notou o o contorno de uma Bruxa Sanguinária. Ele tinha ouvido rumores a respeito dos escolhidos de Rakdos, que se tratavam de magos de maior poder em todo o Rix Maadi e que lideravam as tropas do Lorde Demônio. Kal não tinha idéia de por que um Bruxa Sanguinária estaria aqui, mas ele sabia que era muito mais do que Nikya tinha contabilizado. Ele ouviu gritos próximos de um punhado de goblins que emanavam uma luz vermelha de seus orifícios e, em seguida, explodiam de dentro para fora. Então, ele pôde sentir um cheiro... o odor sinistro de demônios.
"Demônios!", ele ouviu um grito dos Zhur-Taa quando enormes garras surgiram da terra. Pedras e sujeira foram empurrados para o lado pela ânsia profana dos dêmonios que saíam de suas alcovas subterrâneas com um rugido ensurdecedor e um mau cheiro insuportável.
"Zhur-Taa! À mim!", Nikya gritou, olhando para as asas trovejantes dos demônios. Os guerreiros Gruul viam-se envoltos por escuridão e fumaça, lutando contra o seu próprio caminho de volta através dos Rakdos. Kal olhou para Durri enquanto ela corria em direção a Nikya, mas algo agarrou ela pelo tornozelo. Um corte rasgou sua perna e o impacto fez ela comer terra. Um mangualeiro havia fisgado ela. A bola de ferro com espinhos mergulhada em sua perna a mantinha presa e a corrente do mangual agora servia para arrastá-la em direção a um ogro mascarado.
Ela se esforçou, mas não conseguia pensar direito. Cada puxão na corrente enviava um raio de dor através de seu corpo.
"Kal!", a voz de Durri chamou o seu nome de algum lugar.
"Kal!", o mangualeiro puxava ela para mais perto.
Os pensamento de Kal dispararam. Haviam muitos Rakdos. Muitos demônios.
Um lampejo de idéia ocorreu à Kal. As horas assistindo a magia Izzet. A maneira como eles utilizavam a eletricidade. Ele podia sentir a raiva e o desespero queimando dentro dele como um fogo. Como o relâmpago Izzet.
Fogo e relâmpagos eram semelhantes.
Ambos eram elementos puros e caóticos.
E se...
Uma rajada de fogo incinerou o ogro mangualeiro sorridente. Seus braços e pernas voaram aos pedaços, deixando rastros de fumaça no ar. Mas isso não era o fim. Arcos de energia voaram de Kal e se chocou com os demônios, como um martelo flamejante que os transformavam em carne derretida. A loucura então tomou conta dos demônios que, em sua fúria cega, fizeram espirais de fogo brotarem do chão e destruírem o maior número possível de criaturas ali presentes, incluindo eles próprios.
Mais tarde, quando ele acordou, Kal estava olhando nos olhos de Nikya. "Conseguimos derrotá-la?", Kal resmungou.
"Aquela que chamam de Garota do Massacre...", Nikya disse com um grunhido. "Nenhum sinal de cadáver da infeliz. Mas você pegou um desses com aquela magia insana." Nikya levantou a cabeça carbonizada da Bruxa Sanguinária. "Um bom prêmio."
Nikya se inclinou mais perto. "Eu tenho lidado com a magia dos Gruul por mais tempo do que você já viveu, Kal. O que foi isso? Onde você aprendeu esse feitiço?"
"Eu não sabia o que era", respondeu Kal. "Eu acho que eu aprendi observando os Izzet".
Então, Durri inclinou-se, sorrindo. "Você pode ter aprendido com os Izzet, Kal, mas olhe ao redor...", Ela fez um gesto com a mão apontando para o campo de batalha. Kal podia ver os corpos esfumaçados de diversos Rakdos espalhadas como cadáveres distorcidos. "Com certeza parece Gruul o bastante para mim."