quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A Verdade dos Nomes


A jovem khan do clã Mardu estava prostrada em frente à sua horda, completamente imóvel apesar de seu cavalo se mexer nervosamente debaixo dela. O couro gasto da empunhadura de seu arco, o peso da espada em suas costas, a energia tensa e quase palpável dos guerreiros atrás dela... ela tirava energias de tudo isso. Mais do que qualquer coisa, ela tirava forças de seu nome de guerra, Alesha, porque era dela.
 
Alesha examinou os penhascos acima dela, mas não conseguiu ver os guerreiros que ela sabia que estavam escondidos por lá. Olhou em frente, na direção do desfiladeiro, procurando por um sinal inimigo.
 
Lá estão eles.
 
Ela viu cinco – não, seis – silhuetas escuras no ar. Elas estavam muito distantes para discernir os detalhes. Eram quatro asas de penas, corpos sinuosos, longas barbatanas e espinhas. Mas uma luz craquelada em meio a elas não deixaram nenhuma dúvida em sua mente. Esses eram os dragões que procurava, a linhagem imunda do monstruoso Kolaghan.
 
“Mardu!” Ela gritou.
 
“Mardu!” Os gritos de resposta da horda estremeceram o cânion e Alesha sorriu. Os dragões não poderiam não percebê-los agora. Goblins se apressaram em sua ânsia por morrer e orcs ficaram em suas posições, esperando.
 
Silenciosamente, Alesha levantou seu arco sobre sua cabeça, acenando para que os arqueiros preparassem suas flechas. Ela esperou, respirando profunda e demoradamente enquanto os dragões voavam em sua direção, cada vez mais perto. O ar vibrava com as batidas das asas e um relâmpago explodiu com o vento. Ela abaixou seu arco, pegou uma flecha e preparou o disparo, ouvindo o estalar de vários arcos atrás dela. Alesha conseguia ver o brilho frio dos olhos das bestas e os raios se
formando no interior de suas mandíbulas.
 
Agora.
 
A flecha dela acertou o primeiro dragão na boca, inibindo a energia relampejante que se manifestava ali. Centenas de flechas se seguiram a essa e o dragão desviou para cima e para o lado. Bem no lugar certo. Meia dúzia de guerreiros pularam dos penhascos sobre o dragão que cambaleava. Um acertou a asa e outros dois pularam se agarrando desesperadamente aos espinhos em suas costas enquanto, por sua vez, o dragão reagiu voando em círculos. Um deles se agarrou à cauda do dragão, mas dois Mardu – dois que celebrariam essa noite – enfiaram suas espadas na carne do dragão, cravando fundo em seu flanco. A besta rugiu com a dor e um raio mandou uma cascata de pedras pelas paredes do desfiladeiro.
 
Alesha esporou seu cavalo e atirou outra flecha enquanto cavalgava para encontrar os outros que já duelavam. Cascos batendo atrás dela, goblins gritando, orcs ressoando seus gritos de guerra... os Mardu corriam para cumprimentar a morte, com suas espadas em punho. Um dragão mergulhou, abrindo sua boca para alvejar Alesha e sua vanguarda com seu sopro elétrico mortal. Sua flecha encontrou a boca do dragão, mas um instante depois os raios estavam varrendo o chão em volta dela. O pânico urgiu em seu peito, com a memória de um terror do passado, quando outra das crias de Kolaghan deu a ela as cicatrizes que levava nas costas. Seu cavalo empinou relinchando e Alesha pulou da sela antes que a besta a derrubasse, rolando no chão e depois se prostrando agachada.
 
As bravatas da horda Mardu agora se misturava com uivos de dor e gritos de alerta que indicavam que a batalha começara de verdade. Alesha atirou outra flecha e observou o campo. Com um punhado de flechas fincadas entre suas escamas, o dragão que atingiu sua vanguarda estava agora dando a volta para mais um ataque. “Aquele ali!” ela gritou, gesticulando com seu arco. “Derrubem ele!”
 
Dos menores goblins aos mais altos orcs, cada guerreiro se virou como se fossem um, prontos para obedecer à vontade de sua líder. Uma profusão de flechas acertou a besta, arrancando suas escamas ou se alojando entre elas ou fazendo furos em suas asas, até que tiro de sorte bem certeiro atingiu um dos olhos. A criatura gritou, um barulho de defesa que fez com que goblins mergulhassem para se proteger e fez até com que veteranos experientes abaixassem suas cabeças e dessem alguns passos atrás. O dragão pousou, as garras primeiro, trucidando e rasgando tudo a seu alcance. Alesha atirou mais uma flecha, que se alojou no ombro da besta e, então, sacou a espada das costas.
 
“Para cima dele!” ela gritou. “Agora!”
 
Ela podia ver o dragão se recompondo, posicionando suas patas para que pudesse se lançar ao ar novamente. Eles precisavam matá-lo antes que ele conseguisse levantar vôo.
 
Como um todo, sua tropa se lançou à frente e sobre a criatura como uma onda, com Alesha no meio. Seus números eram vergonhosamente baixos, ela percebeu. A queda havia matado muitos e cinco outros dragões mantinham o resto da horda ocupada. Mas era preciso lutar impiedosamente. Sua lâmina pesada – tão longa e larga quanto seu braço – entrou fundo dentro do flanco do dragão e ela desviou quando sua asa chicoteou em resposta à dor. O dragão tentou dar a volta para ficar em frente a ela, mas ao inves disso um golpe certeiro da espada de um orc altaneiro mandou sua cabeça para trás e mandou um jato de sangue de cheiro nojento em sua direção.
 
A khan acenou com a cabeça, observando o orc, um guerreiro que ainda havia de ganhar seu nome de guerra, apesar de já ter lutado em muitas batalhas. Esse era seu momento... e ela queria testemunhá-lo. Um veterano teria atacado novamente a fissura no pescoço da criatura, talvez usando a força descomunal para arrancar a cabeça com um único golpe. Porém, aquele orc não avançou com o intuito de matar. Pelo contrário, ele atacou a garra do dragão, um instante antes dela alcançar o estômago de outro guerreiro. 
 
Foi Gedruk Quebra-asa que se adiantou e atingiu o pescoço da criatura antes que ela pudesse recuperar o equilíbrio. Foram necessários três golpes enquanto o dragão tremia e se contorcia. O sangue espesso da besta cobrindo-o antes mesmo dela estar morta. Mas, finalmente, o dragão jazia inerte e gritos de comemoração vieram dos guerreiros a seu redor.
 
Alesha analisou o campo de batalha. Um dragão estava morto – aquele que liderou o ataque inicial – e outros dois estavam no chão. Ela apontou para um que estava voando, virando-se pra mais um ataque aéreo. “Aquele!” ela gritou, e os Mardu se prepararam para trazê-lo abaixo. Enquanto ele manobrava, todavia, eles teriam um momento para saborear seu triunfo.
 
Ou sua vergonha.
 
“Você!” ela bradou para o orc.
 
Ele se aproximou. Era muito mais alto que ela. “Khan?” ele disse, sua voz um trovão quase encoberto pelo barulho da batalha.
 
“Aquele triunfo poderia ter sido seu.”
 
Ela o observava cuidadosamente enquanto suas palavras surgiam efeito. Ele responde indignado: “Gedruk o roubou de mim.”
 
“Roubou, foi? Eu vi você se conter. Eu vi você cortar a garra da besta ao invés do pescoço. Por quê?”
 
O orc rosnou. “Eu não sei.”
 
“Você poderia ter ganho o seu nome de guerra,” ela disse. “Descubra quem você é e tome para si seu nome.”
 
A raiva retorcia o rosto do orc e ele deu mais um passo em direção a ela. “Você diz isso pra mim? Um menino humano que acha que é uma mulher?”
 
Alesha manteve sua face impassiva enquanto um goblin próximo guinchou e se escondeu, sem dúvida antecipando sua ira. Mas antes que ela pudesse responder ao orc sem nome, o dragão estava sobre eles.
 
Todos sabiam o que fazer. Outra saraivada de flechas buscou as partes mais desprotegidas da besta. Esta também foi derrubada e, dessa vez, a maioria dos guerreiros estava fora do alcance de suas garras. Alesha gritou e os Mardu – até o orc sem nome que a desafiara – correram em encontro ao dragão.
 
Foi em um dia como esse, em uma batalha como essa, que Alesha ganhou o direito de escolher seu nome. Com o sangue escorrendo de suas costas, dilacerada pelas garras do dragão, ela arrancou uma lança que estava cravada em um homem morto e enfiou na boca da besta, diretamente em seu cérebro. O cabo da lança estilhaçou-se, mas o dragão morreu instantaneamente.
 
Embora não se lembre se teve medo quando estava em frente à bocarra do dragão, ela com certeza nunca vai se esquecer do pânico que viera logo depois. Ganhar seu nome tinha sido seu único objetivo durante muito tempo. Quando a luta acabara, ela estava de pé silenciosamente entre os outros jovens que estavam gabando-se de seus feitos e dos nomes arrojados e macabros que eles escolheram: Esmaga-cabeças, Fura-crânio, Quebra-asa. – Sim, ela se lembra que Gedruk estava entre eles.
 
Alguns deles, principalmente os orcs, gabavam-se dos feitos de seus ancestrais e falavam de seu orgulho em adotar os nomes destes ancestrais. Ela era tão diferente... com apenas dezesseis anos, um garoto aos olhos de todos além dela própria, prestes a escolher e declarar seu nome para o Khan e todos os Mardu.O khan andava entre os guerreiros, ouvindo os contos de seus feitos gloriosos. Um a
um, eles declaravam seus novos nomes de guerra e, para cada um deles, o khan gritava o nome para todos ouvirem. Cada vez, a horda gritava o nome como um trovão, fazendo tremer a terra. Então, o líder chegou à Alesha. Ela estava de pé em frente a ele, sentindo cobras se enroscando em seu estômago e contou como ela matara seu primeiro dragão. O khan acenou com a cabeça e perguntou seu nome.
 
“Alesha,” ela disse, tão alto quanto conseguiu. Era o nome de sua avó.
 
“Alesha!” gritou o Khan, sem um momento de hesitação.
 
E toda a horda combinada gritou “Alesha!” em resposta. Os guerreiros Mardu gritaram seu nome.
 
Naquele momento, se alguém tivesse dito a ela que em três anos ela seria Khan, ela talvez ousasse ter acreditado.
 
Perdida em suas memórias, a khan dos Mardu estava sorrindo quando o outro dragão bateu no chão atrás dela e permaneceu sorrindo quando se virou para encará-lo. Do mesmo modo, estava sorrindo quando sua espada se entranhou em seu pescoço quando ele avançou sobre o orc sem nome ao lado dela. O dragão berrou em agonia enquanto a morte vinha buscá-lo, mas logo um outro golpe da pesada lâmina de Alesha arrancou-lhe a cabeça.
 
O orc ao lado dela encarava estupefato, nenhum traço de raiva restando em seu rosto.
 
“Eu sei quem eu sou,” Alesha disse à ele, ainda sorrindo. “Agora me mostre quem você é.” Ela apontou com a cabeça para os dois últimos dragões que rosnavam e mordiam os Mardu a seu redor.
 
Ele hesitou, ainda boquiaberto, e então voltou a si e correu de volta para a batalha.
 
Ela o seguiu, assistindo-o se jogar na luta frenética contra o maior dos dragões. Tratava-se de um orc obviamente forte e rápido pra alguém de seu tamanho. Não faltava habilidade em sua luta, mas suas técnicas eram pouco ortodoxas. Ele usava sua força para golpear a cabeça e membros da besta, para tirar seu equilíbrio e mudar sua posição. Ele garantia que seus dentes e garras mortais nunca fizessem contato com os outros guerreiros e criava aberturas para seus aliados atacarem. Ele não estava procurando o golpe fatal, mas ele o tornava possível.
 
Alesha acenou com a cabeça, sorrindo para si mesma. Em pouco tempo, a batalha acabara. Seis dragões jaziam mortos no chão do desfiladeiro, junto com vários guerreiros Mardu mortos. Suas perdas foram grandes, mas derrotaram seis dragões! Seis das crias de Kholagan nunca mais ameaçariam os Mardu. A Horda tinha muito a celebrar.
 
Os sobreviventes foram ao trabalho. Os Ceifeiros de Aflição entoavam seus ritos para garantir que os mortos continuassem assim. Goblins corriam pelo campo de batalha, colhendo flechas que poderiam ser reutilizadas e armas quebradas que pudessem ser consertadas. Outros Mardu fatiavam os cadáveres dos dragões para retirar a carne e os troféus.
 
A khan caminhava junto a eles, da mesma forma que Alesha lutara junto a eles. Em cada grupo de guerreiros, ela buscava aqueles que ainda não tinham clamado um nome de guerra. Nesse dia, muitos ganharam o direito de escolher seus nomes. Como líder, ela ouviu conto após conto de feitos heróicos e, a cada nome escolhido, ela gritava o nome para a Horda ouvir – sem nunca hesitar por um instante. "Quebra-presas"... "Salta-abismo"... "Turuk"... "Vallash".
 
Por ultimo ela chegou ao orc que lutou a seu lado, o orc que ousou questioná-la.
 
“Você,” ela disse. “Quantas batalhas já lutou?”
 
Ele estava rígido, olhando por cima da cabeça dela ao invés de encarar seu olhar.
 
“Nove.”
 
“E quais os feitos de glória que você clama para este dia?”
 
“Nenhum, Khan.”
 
“Nenhum? Nove batalhas e não ganhou nenhuma glória? Você não tem um nome de guerra para clamar?”
 
“Não.”
 
“Então você é um tolo. Eu sei quem você é, mas você próprio ainda não sabe.”
 
O orc indignou-se novamente, mas dessa vez não ousou dizer nada.
 
Ela se virou para o guerreiro a seu lado. “Kuru Vashar,” ela disse, “você lutou ao lado desse novato hoje. O que você viu?”
  
Vashar voltou-se na direção do orc mais alto, dizendo “Eu caí sob um dos dragões. O seu peso estava me esmagando. Você veio do meu lado e atingiu a fera, tirando seu equilíbrio para que eu pudesse sair dali.”
 
Alesha concordou e apontou para outro. “Magran Quebra-costas, o que você viu?”
 
“Khan, ele se jogou entre eu e um ataque mortífero do dragão. Sua força aparou a garra que vinha em minha direção, então eu consegui avançar e enfiei minha lança por baixo da perna da besta.”
 
Mais um. “Jalasha Impaladora, o que você viu?”
 
Jalasha se esticou e deu um tapinha no ombro do orc. “Meu amigo salvou minha vida, jogando-se na cabeça do dragão quando ele estava prestes a me engolir inteira.”
 
A líder concordou e e se aproximou do orc sem nome. Ela agarrou o colarinho de sua armadura e puxou-lhe para baixo, forçando o encontro de seus olhos.
 
“Eu sei quem eu sou. Eu não sou um garoto. Eu sou Alesha, como minha avó antes de mim.”
 
Vários guerreiros próximos murmuraram seu apoio.
 
“E eu sei quem você é,” - ela disse. “Os Mardu conhecem você. Mas você... você acha que todos os Mardu tem que ser um Quebra-elmo ou um Arranca-Crânios. Você acha que seus feitos não são tão gloriosos quanto os deles. E você está errado!”
 
Alesha largou a armadura dele e deu-lhe um empurrão, fazendo-o recuar uns passos.
 
“Quando você aprender qual é o seu lugar entre os Mardu, poderá escolher um nome.”
 
Ela se virou, pronta para continuar para o próximo grupo de soldados.
 
“Espere”, disse o orc.
 
Alesha parou, mas não se virou. “Por quê?”
 
“Eu tenho um conto da batalha.”
 
Ela se virou e encarou ele. “Já ouvimos bastante de seus feitos.”
 
“Não é sobre triunfo.” Ele ergueu sua voz para que todos ao redor pudessem ouvir.
 
“Hoje eu vi uma guerreira derrubar um dragão com um único golpe e, em seu rosto, ela demonstrava a alegria da batalha.”
 
Alesha sorriu.
 
O orc deu um passo à frente e falou mais baixo. “Como você disse, minha khan, eu não conheço a mim mesmo. Mas eu conheço você e por isso a reverencio!“
 
Agora ele grita para todo o campo de batalha “Eu a chamo de Alesha, a Que Sorri Para a Morte.”
 
E mais uma vez, os guerreiros Mardu gritam seu nome.

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