Cada mar é diferente, mas todos eles são conectados. Oh, havia as variações habituais: Temperatura; Salinidade; Pressão. Ela sabia daquilo, assim como qualquer tritões, por instinto. Um oceanógrafo pode passar a vida aprendendo a medir o que um tritão sabe desde a infância.
Mas havia outras coisas que nem sequer haviam palavras para descrever. Outras sensações que pintaram a visão dela do mundo. Apreço foi a palavra mais próxima, embora não fosse próxima o suficiente. Esta água, aqui, neste mundo, fluindo sobre suas guelras... possui um gosto diferente do que em qualquer outro lugar, em qualquer mundo.
Embora em nenhum lugar seja como o nosso lar, ela julgou que este plano era bastante agradável. O mar estava quente, a mana era rico e a vida selvagem era abundante, mesmo que fosse um pouco... diminuta. Um dos moradores tinha mostrado a ela como os marrecos aqui mergulhavam direto do céu para o mar e vice-versa, eloquentemente demonstrando sua mestria em mover-se entre reinos.
Ela não disse nada. Parecia educado. Em qualquer caso, ele claramente não poderia ajudá-la.
Zendikar.
Lar.
Ela desejava voltar para seu próprio mundo, com seu temperamento selvagem e rabugento. A maioria dos mundos eram como baleias - elegantes, pacíficos e sem presas. Zendikar, no entanto, era um tubarão.
Mas ela não podia voltar para Zendikar. Ainda não. Não sem uma arma para lutar contra as monstruosidades chamadas Eldrazi. E, por isso, ela estava decidida a continuar sua busca.
Andar pelos planos, é como eles chamam o poder dos planinautas.
Kiora não nasceu para andar, mas sim para nadar.
Ela aprofundou-se, em trevas e frio. Ajudou seu foco, a fim de deixar um mundo para trás e encontrar outro. Ela reuniu o mana lânguido das profundezas e empurrou contra as paredes do mundo.
Era arriscado aventurar-se nas Eternidades Cegas sem destino em mente. Mas o mar ajudou. O mar a guiou. Ela caiu no vazio e nadou, de um oceano para outro.
O universo fragmentou-se em torno dela, fazendo-a cair através de um infindável vazio. Era como estar muito abaixo do mar, nos locais mais profundos. A pressão era enorme e todos os seus sentidos estavam inutilizados. Tudo o que restava era a vaga sensação de movimento, e de coisas, mundos, imensos e inimagináveis, flutuando silenciosamente através deste mar que não era um mar.
Subitamente, algo se destacou. Luz, som e movimento. Água. OutrO oceano. Kiora nadou em direção a um novo mundo.
Água morna e sal fluíam através de suas brânquias, sem vestígio de nenhum tipo de contaminação artificial. Havia um cheiro de enxofre, vulcanismo, seja em terra ou para baixo, nas profundezas. Um mundo ativo. O sol brilhava através de uma centena de metros de uma clareza cristalina e fortes correntes a empurravam em sua direção.
Acima dela, foi possível sentir o bater desajeitado de remos e o ranger de madeira. Aqui, como na maioria dos lugares, os habitantes terrestres usam suas pequenas embarcações e rastejam sobre a pele superficial do grande oceano enquanto temem seus mistérios. Ela olhou para a pequena casca de um barco, um pontinho distante que desenhava um caminho deselegante através do mar. Um piscar de olhos. Isso era tudo o que aquilo merecia.
Em um barco como aquele, eles não estariam muito longe da costa e, de fato, em uma nebulosidade distante, ela pôde distinguir penhascos subindo em direção à superfície.
Kiora nadou em direção oposta, saboreando este novo lugar, sentindo o seu mana. Ao longe, um pouco da vida selvagem local brincava saltando com uma curios sincronia que lembrava algum tipo de dança. Tratavam-se de algum tipo de peixe-cavalos, que possuiam duas patas dianteiras e cauda longa escamada. Ela tinha ouvido falar de tais animais, bem como já ouvira que tritões eram capazes de montá-los, mas ela nunca tinha visto nenhum. Bem, agora que ela poderia dizer que não apenas sabia o que era, como também tinha visto um Hipocampo. No entanto, eles não lhe interessavam.
Ela dirigiu-se cada vez mais para o fundo do oceano, procurando algum traço dos grandes seres que costumam habitavar os lugares mais profundos em quase todos mundos. Porém, não havia nada exceto uma vasta escuridão. Kiora enviou um pulso de mana, chamando-os, mas não ouviu resposta.
Não havia tempo para isso. A planinauta começou a reunir mana. Ela esta tentando chamar a atenção de grandes criaturas e sua experiência lhe ensinou que para isso as vezes é necessário uma grande magia.
Ela flutuou, de olhos fechados, cada músculo e osso estendido com o esforço. Muito abaixo dela, em uma profundidade onde o sol não alcança, a água começou a se mover. Correntes imensas de água formavam-se ao redor do corpo dela, à medida que se dirigia para a superfície. Depois de um longo tempo nadando e arraastando um enorme afloramento de água atrás de si própria, ela tinha certeza que os titãs das profundezas aquáticas sairiam de seus esconderijos para investigarem.
A torrente de água passou por ela, envolvendo-a, ganhando velocidade como um trovão em direção à superfície. Estava frio, terrivelmente frio, e havia uma sensação de estranheza. Sentia-se livre mesmo que por um breve momento, saboreando a sensação de estar no oceano e contemplando toda sua vastidão, na qual grandes volumes de água e escuridão davam lugar à vida e ao mana que espreitava desapercebidos.
A torre de água formou-se sobre a superfície, formando uma onda enorme. Kiora veio à tona, piscando enquanto seus olhos se ajustavam a luz do sol e ao ar externo. Ela assistiu, ao longe, o barco que havia avistado anteriormente, rolando por debaixo da onda e seus marinheiros se agarrando ao mastro e grades de proteção. A planinauta mergulhou e ficou escutando. Ela não podia ver a onda atingindo a costa que ela havia vislumbrado antes, mas ela pôde ouvir. O oceano soou como um sino.
Kiora esperou, ouviu e assistiu.
Ondas rebentavam. Golfinhos saltavam. A superfície da água logo retornou ao normal, exatamente como estava quando ela chegara.
O mar é antigo, mas tem uma memória curta.
Nada mais se ouvia nas profundezas, nem mesmo havia qualquer movimento. Tudo estava completamente calmo novamente. Ela sabia que eles estavam lá embaixo. Onde estariam? A planinauta precisava de mais informações e certamente não seria na superfície que ela as obteria.
Mais foco. Mais mana. Uma colossal forma escura tomou forma sob ela. Era um leviatã, oriundo de outro plano. Kiora estava convocando a criatura, arrastando-a para este mundo. Tratava-se de uma magia muito poderosa, o corpo de Kiora estava no limite, mas ela não estava com disposição para esperar.
O leviatã ergue-se debaixo dela, rompendo o oceano e exibindo-se parcialmente fora da água. Ela ria contemplando o sucesso de seu feito. A criatura mergulhava por um breve momento e depois tornava a se lançar acima do limite aquático, como se quisesse exibir sua imensidão assustadora de suas presas.
Enquanto a planinauta e seu companheiro titânico contemplavam um ao outro, um grupo de cabeças emergiram nas proximidades. Kioras notou a presença deles e soube que eram habitantes locais, talvez até estivessem aptos a conferirem algumas respostas que ela ansiava. Assim, ela enviou o leviatã até um recanto seguro nas profundezas e voltou sua atenção para os tritões nativos. Embora ela própria também fosse uma tritã, estes outros tinham uma aparência um pouco diferente, principalmente com relação a crista que havia em suas cabeças. Era perceptível que eles a observavam cheios de medo e pavor, mas ao mesmo tempo com uma grande curiosidade no olhar.
"Onde estou?" , perguntou ela.
Os nativos trocaram olhares e um deles nadou para a frente com a intenção de responder.
"Perto de Melétis, a pólis humana", disse ele .
Inútil. O olhar dela certamente tornou agressivo, mas ela esperou.
"No Mar Sirênico", disse ele.
Ela franziu a testa e fez um gesto apontado para o todo (mar, terra e céu).
"Onde estou?", ela perguntou de novo.
Os olhos do orador se arregalaram, e seus companheiros murmuravam entre si. Ela entendeu apenas as palavras Nyx e Tassa, além de algo sobre o Silêncio.
"Você está em Theros", disse ele. "Você está no mundo dos mortais."
Ela sorriu, mas não disse nada, deixando que eles conversassem entre si. Havia algo estranho sobre este mundo e Kiora não estava disposta a deixar transparecer que ela não sabia o que poderia ser.
"... Tassa retornou!"
"... Mas não tem a marca de Nyx, como ela poderia ser ..."
"Tolo! Uma deusa pode aparecer como quiser..."
Deusa? Agora Kiora estava ficando mais interessada.
"Chega", disse ela. "Você tem perguntas?"
O orador considerou suas palavras. Ele não era um idiota afinal de contas e Kiora gostou disso.
"Quem é você?", perguntou ele.
"Você realmente duvida de mim?"
"Claro que não", alegou ele, "Nós, tritões sempre estivemos a seu serviço, mas..."
"Isso soa como dúvida", disse ela.
"Como é que você ousa desafiar o Silêncio, minha senhora?"
"O Silêncio?"
"Quando Crufix falou e os deuses se retiraram para Nyx...", ele narrou, "Nós entitulamos a sua ausência como O Silêncio. Nossas orações se tornaram sem respostas. O céu ficou cheio de escuridão e as estrelas tornaram-se imóveis. Estamos com medo desde então."
Parecia que havia muito sobre este mundo que ela não entendia. Talvez mais tarde ela poderia encontrar um ser humano e compará-los com os tritões para descobrir se tudo não passava de uma apenas uma cultura complicada. Mas por enquanto...
"Eu me movo com as correntezas", disse ela. "O Silêncio não me comanda."
"Fomos levados a acreditar que é obrigatório para todos os deuses", disse o orador.
"Foi o crime de um ser humano que trouxe o Silêncio", interroompeu um dos outros tritões. "A Campeã do Sol matou a Hidra, que era uma das protegidas de Niléia. No entantto, por que isso importaria para Tassa? Ou para nós? Por que devemos sobre pelos erros dos povos da surperfície?"
Kiora sorriu.
"Realmente, por que?"
Ela silenciosamente comandou o leviatã para que ficasse novamente abaixo dela, próximo da água que tocava seus pés.
"Você", disse ela, apontando para o orador. "Junte-se a mim."
Kiora estendeu a mão e o tritão a tomou, embora receoso, mas dando um passo em direção sobre o longo focinho do leviatã. A planinauta era mais baixa do que aquele tritão e, embora tivesse uma aparência diferente, ela o considerava bonito de uma forma exótica. O leviatão ergueu-se acima do mar novamente, ganhando os céus muitos metros acima das ondas e dos outros tritões. Assim, os dois sobre seu focinho poderiam conversar em particular.
"Qual o seu nome?"
"Kalemnos, minha senhora."
"E você acredita que eu sou Tassa?"
"... Não," ele disse engolindo em seco. "Eu não acho que Tassa desafiaria descaradamente o mais velho dos deuses."
"Bom", disse ela. "Então, quem você acha que eu sou?"
"Eu acredito que você possa ser uma de suas emissárias, enviada para nos guiar, enquanto ela está ausente. "
"E quando ela voltar?"
"Suponho que nesse momento descobriremos quem você realmente é", disse ele.
Ela sorriu.
"Eu gosto de você", disse ela. "Além disso, também tenho um monstro do mar. Quer me ajudar?"
Ele olhou para os tritões lá embaixo. As mandíbulas do leviatã poderiam facilmente se fechar em torno de todos eles ao mesmo tempo.
"Eu não poderia imaginar nada melhor", disse ele.
"Ótimo", ela respondeu. "Agora então me diga onde as mais poderosas crianças de Tassa? Eu as chamei, mas nenhuma respondeu. Onde estão?"
"O mar é vasto e até mesmo os tritões não conhecem seus limites", disse Kalemnos. "Os krakens apenas aparecem quando querem ou quando Tassa assim lhes ordena."
"Então, considere esta uma busca em nome de Tassa", disse Kiora. "Se ela não está aqui para sondar as profundezas, você deve explorá-las por si mesmo. Segure-se em algum lugar e vamos lá!"
Kalemnos agarrou uma das barbatanas do leviatã.
"Sigam-me!", ela gritou para os tritões à medida que a criatura colossal submergia lentamente para retornar às profundezas do oceano de Theros. Eles desapareceram na água e nadaram atrás dela, montandos na cauda do leviatã.
Kiora voltou-se para Kalemnos, que estava agarrado com força em uma barbata facial, tentando não transparecer todo o temor que estava sentindo.
"Agora, conte-me mais sobre esses krakens".
Kalemnos começou a falar sobre as criaturas que poderiam devastar a terra e o mar, pois eram monstros tão terríveis que aparentemente só os deuses podiam controlar (ou pelo menos tentar).
A planinauta sorriu.
Kiora deitou-se sobre a cabeça do leviatã, exausta por conta de sua conjuração , mas seu orgulho a impedia de demonstrar seu cansaço. O sol aquece a pele, enquanto o mar a umidece. Ela ficou em silêncio, apenas apreciando a cadência da voz de Kalemnos e o poder prometido por seus contos. O leviatã nadou com movimentos firmes, longe da costa, em direção ao mar aberto e todos os segredos que detinha.
Eles estariam lá, apenas esperando ser tomados. Tudo que ela tinha que fazer era encontrá-los.